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Da série de homenagens à imprensa do Acre, Pitter Lucena trás a história do Raimundo Fernandes

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O jornalista e escritor Pitter Lucena, acreano que mora em Brasília há duas décadas, segue sua série em que homenageia colegas da imprensa. Dessa vez o destaque dele é o “faz tudo” Raimundo Fernandes.
A seguir:

Na vastidão verdejante da Amazônia, onde o rio serpenteia e a vegetação exuberante dança ao ritmo das chuvas, nasceu um menino que logo revelaria sua paixão pelas palavras e pelo esporte. Raimundo Alves Fernandes, conhecido carinhosamente como “Faz Tudo”, viu a luz do mundo em 24 de fevereiro de 1955, em um seringal amazônico chamado Maracaju. Desde cedo, as vozes mágicas do rádio o envolveram em um feitiço sedutor, inspirando sonhos de um futuro vibrante e empolgante.

Os olhos brilhantes e a mente fértil de Fernandes o impeliam a sonhar alto, a vislumbrar um futuro onde sua voz seria a narradora das histórias da cidade. Ele insistia aos irmãos que as vozes que eles ouviam eram um prelúdio do que estaria por vir, uma profecia sussurrada pelas ondas do rádio. Entre risos e gracejos, os irmãos o chamavam de “maluco”, mas Fernandes estava determinado a moldar seu destino com a mesma paixão e energia que sentia pelas transmissões radiofônicas.

Meu próprio encontro com Raimundo Fernandes aconteceu décadas depois, nos últimos suspiros dos anos 70, durante o campeonato de futebol acreano de Dente de Leite. Com menos de 15 anos à época, tive o privilégio – ou deveria dizer a angústia? – de ser entrevistado pelo próprio após um revés esmagador de meu time, o Andirá, para o clube do Juventus. O tempo escorreu como areia entre os dedos, e nossos caminhos se entrelaçaram novamente na redação do jornal Folha do Acre em 1985. Desde então, testemunhei de perto sua dedicação incansável ao esporte acreano.


Raimundo Fernandes no início da carreira, em meados dos anos 1970

De Maracaju, a família de Fernandes seguiu o curso da vida para o seringal Novo Andirá, erguendo suas raízes na terra fértil do Acre. A movimentação frenética das árvores cedeu lugar às vielas agitadas de Rio Branco, a “capital da borracha”. E assim, aos nove anos, Fernandes já se estabelecia na encruzilhada do destino. Em vez de se perder nas nuvens, decidiu ancorar sua jornada na solidez da carpintaria, aprendendo os segredos da arte com as mãos calejadas.

Mas o rádio, o objeto de seu fascínio mais profundo, conspirou para entrelaçar Fernandes em sua trama. Uma série de acontecimentos casuais o conduziu a uma partida de futebol, onde assumiu o papel de árbitro. Sua atuação resplandeceu com tamanha destreza que o convite para apitar no campeonato Intercolonial foi inevitável. O destino, muitas vezes um brincalhão travesso, interveio novamente.

E então, em um daqueles momentos que mudam a vida, a fita de um gravador capturou a paixão de Fernandes por narrar. Um jogo de piadas improvisadas na ausência de um árbitro chamou a atenção do radialista Campos Pereira, lançando-o em um teste que selou seu destino no rádio. Assim, em 1978, Raimundo Fernandes fez sua estreia nas ondas etéreas, com apenas 23 anos, como a voz que ecoaria nas lembranças de muitos.
Época áurea das corridas de rua em Rio Branco, Fernandes está de microfone na mão e camiseta branca

Nesse universo radiofônico, ele começou nos bastidores da equipe esportiva, transcrevendo resultados de jogos em um mundo governado por um enorme gravador. Aos poucos, suas palavras tomaram vida e seu papel evoluiu. E então, ecoou o primeiro grito de gol, uma goleada do Juventus que deixou sua voz rouca, ecoando em uníssono com as vibrações das arquibancadas.

A paixão pelo esporte permeou cada fibra de Raimundo Fernandes. Sua defesa incansável de todas as formas de esporte era como uma sinfonia vibrante que ecoava em cada palavra que ele pronunciava. Ele navegou pelos mares tempestuosos da narração, pousou nas pistas como repórter e saltou com destreza para o papel de comentarista, explorando cada faceta do esporte que ele amava com tanto fervor.

Os anos desenrolaram-se como um tapete cósmico, e Fernandes floresceu na Rádio Difusora Acreana, onde sua voz ganhou raízes profundas. No entanto, sua busca pelo conhecimento e pela comunicação o levou além do éter radiofônico. Ele se aventurou no mundo do jornalismo impresso, contribuindo com seu toque especial para periódicos como Diário do Acre, A Gazeta, A Semana e muitos outros, como uma peça essencial de um quebra-cabeça vibrante.


Com os filhos Linnyky, Jailson, Lynnayra e Ivana

Atualmente, Raimundo Fernandes, é diretor da Rádio Difusora Acreana. Na última década, o “Faz Tudo” teceu sua narrativa nas páginas do Opinião, desempenhando múltiplos papéis que refletem a essência multifacetada de sua personalidade. Editou um semanário para o município de Boca do Acre, dá vida a memórias com suas matérias e traça o mapa de cidades do interior do Acre. Sua caneta é a varinha mágica que transforma histórias em contos cativantes, repletos de emoção e humanidade.


Com o governador Gladson Cameli; Fernandes já havia trabalhado com o tio de Gladson, Orleir

Mas, além de todas as vitórias e triunfos, é a lição que ele destila com humildade que se torna a verdadeira epopeia. A máxima que ecoa de seu coração é um lembrete valioso: nunca julgue pelas aparências. Uma lição que ele aprendeu quando um jogador “feioso” o surpreendeu com dois gols e um olhar desafiador. Fernandes entende que por trás das máscaras que usamos, repousam histórias inexploradas de triunfo e superação.

E, assim, como um eco gentil das ondas do rádio, Raimundo Fernandes olha para o panorama do futebol acreano com uma mistura de melancolia e esperança. Ele relembra os dias de glória, quando os campos de pelada eram viveiros de talentos, enquanto lamenta a redução desse habitat crucial para a gestação de habilidades. Suas palavras capturam a evolução do tempo, suas vitórias e suas perdas, e, acima de tudo, o inegável desejo de preservar as raízes do esporte e da comunidade que ele tanto ama.

Raimundo Fernandes é mais que um jornalista; ele é uma melodia envolvente que ressoa pelas páginas do tempo, entrelaçando memórias e paixões, e lançando luz sobre a beleza inerente à narrativa humana. Seu nome se eleva não apenas nas ondas do rádio ou nas colunas de jornais, mas também no coração daqueles que tiveram a sorte de ouvir e compartilhar suas histórias. Com cada palavra, ele perpetua o legado da Amazônia, tecendo a tapeçaria da vida com as linhas vibrantes de suas experiências.


E assim, enquanto as águas do Rio Acre continuam a fluir e as árvores da floresta sussurram seus segredos, Fernandes permanece como um farol na vastidão amazônica, iluminando o caminho para a compreensão, a empatia e a perseverança através das histórias que ele conta.

Raimundo Fernandes, o Jornalista Faz Tudo, é um exemplo vivo de perseverança, paixão e adaptação. Ele continua a escrever sua história, a narrar as histórias dos outros e a unir comunidades através das ondas do rádio e das páginas impressas. Seu compromisso com o esporte e com as pessoas que o cercam o elevam a um nível onde o título de “Faz Tudo” vai muito além das palavras. Ele é a encarnação do amor pelo que faz e pelo que acredita.

Por Pitter Lucena/Acrenews