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Qual foi o primeiro livro impresso? (E não é a Bíblia)

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HISTÓRIA
No vasto panorama da inovação humana, o livro surge como um marcante testemunho de nossa incessante busca por conhecimento. Ao serem questionadas sobre “Qual foi o primeiro livro impresso?”, muitas pessoas rapidamente, embora erroneamente, mencionariam a Bíblia de Gutenberg. Esta obra monumental é, sem dúvida, um símbolo reconhecido da história da impressão, mas classificá-la como o primeiro livro impresso simplifica demais a questão. Como muitos relatos dos registros da história, a história do primeiro livro impresso é complexa, rica e permeada por contribuições de todo o mundo.

A EVOLUÇÃO DO LIVRO AO LONGO DOS SÉCULOS
Se voltarmos 3.000 anos, veremos que o livro se manteve notavelmente resistente às mudanças ao longo do tempo. Durante esse longo período, o livro sofreu apenas duas grandes transformações: passou dos antigos rolos para os códices e, mais tarde, para os formatos digitais contemporâneos. Essa evolução tão limitada sugere nossa relutância em mudar algo que tem servido tão eficazmente ao seu propósito por milênios.

Para compreender verdadeiramente as origens do livro, talvez sejamos levados a visitar a antiga Babilônia, entre 2000 e 1500 a.C., onde encontramos o Épico de Gilgamesh. Frequentemente, esta obra impressionante é considerada o primeiro livro. No entanto, tecnicamente, essa não é uma designação completamente precisa. A escrita cuneiforme em tábuas de argila, que preserva este conto, representa o início da escrita e da narrativa, mas não um “livro” no sentido tradicional que conhecemos.

O PRIMEIRO LIVRO
Os primeiros livros foram rolos de papiro usados ​​pelos gregos e egípcios.

A verdadeira origem do “livro” começou aproximadamente 2.700 anos atrás, no século VI a.C. Foi nesse período que filósofos gregos, principalmente na Ásia Menor, passaram da comunicação oral para a escrita, registrando seus pensamentos e histórias em rolos de papiro. Esses rolos foram os primeiros meios que encapsularam narrativas e conhecimentos que, até então, dependiam da memória humana, muitas vezes falha, ou da transmissão oral. O termo “volume”, tão familiar para os leitores modernos, vem desses rolos de papiro. Originário do latim “volvo”, que significa enrolar, é uma justa homenagem a esses primeiros textos enrolados.

Contudo, a transição de contos orais para narrativas escritas foi apenas um dos desafios na evolução multifacetada do livro. Um problema persistente era o processo lento e trabalhoso de replicação. Durante muito tempo, essa tarefa esteve nas mãos dos escribas, que copiavam meticulosamente os manuscritos à mão. Muitos desses escribas viviam nos sagrados mosteiros, dedicando suas vidas à preservação e disseminação do conhecimento. Mas, à medida que a fome por conhecimento aumentava, a reprodução manual de livros não conseguia acompanhar a demanda. Era necessário um método mais eficiente.

A solução para esse desafio veio, surpreendentemente, não do Ocidente, como muitas narrativas eurocêntricas poderiam sugerir, mas do Oriente. Região historicamente reconhecida por seu espírito pioneiro, o Oriente desenvolveu várias técnicas de impressão que antecederam a famosa prensa de Gutenberg. Por exemplo, o antigo Egito introduziu os selos cilíndricos. Basicamente, eram rolos entalhados que, quando passados sobre o barro, deixavam impressões de desenhos detalhados. Podemos traçar um paralelo com as moedas cunhadas pelos romanos, que também carregam marcas de técnicas de impressão primitivas.

A XILOGRAVURA E SUA ORIGEM ORIENTAL
Entretanto, o ápice de nossa busca – o precursor direto do livro – é o método de impressão em xilogravura. Esse processo consistia em gravar o conteúdo de uma página inteira em um bloco de madeira. Depois de esculpida, a madeira era entintada e pressionada contra um suporte, seja tecido ou papel. De repente, a produção de páginas não estava mais limitada pela velocidade da mão do escriba. Em vez disso, esses blocos de madeira possibilitavam uma reprodução mais rápida e eficiente.

Introduzida no Ocidente no século XIV, a técnica de xilogravura teve origem no Oriente. Um marco importante nessa história foi a descoberta, entre os manuscritos de Dunhuang na China, do Sutra do Diamante, um documento impresso em 868 d.C. usando a técnica de xilogravura. Esse artefato não só desmascara muitas afirmações ocidentais, mas também se estabelece como o livro impresso mais antigo conhecido, lançando luz sobre séculos de inovação que antecederam Gutenberg.

No entanto, embora revolucionária, a técnica de xilogravura tinha suas imperfeições. Blocos de madeira, apesar de versáteis, eram propensos ao desgaste, especialmente com uso repetido. Essa fragilidade fez com que a xilogravura fosse mais adequada para textos mais curtos ou conteúdos principalmente imagéticos, restringindo sua aplicação em manuscritos mais extensos.

A REVOLUÇÃO DA TIPOGRAFIA
Ao se perceberem as limitações da madeira, ocorreu uma transição para a gravação em chapa de cobre. Sendo um método mais durável e refinado, essa técnica possibilitava a criação de relevos altamente detalhados. O produto final assemelhava-se à fineza das ilustrações feitas à mão. Entretanto, embora o cobre oferecesse uma resistência que a madeira não conseguia, o processo de gravação em relevo negativo era intrincado e caro. O cobre, por ser um metal precioso, elevava os custos de produção. Além disso, devido à necessidade de pressionar o papel nos recessos da chapa gravada, os artesãos frequentemente aplicavam força excessiva, o que muitas vezes resultava em papel rasgado, um recurso valioso naquela época. Em face desses desafios, a gravação em chapa de cobre encontrou principalmente sua especialidade na reprodução de imagens, em vez de conteúdo textual extenso.

Conforme os inovadores enfrentavam os desafios da madeira e do cobre, a tipografia começou a surgir como a técnica revolucionária. O cerne desse método estava no tipo móvel – uma representação singular de um caractere, seja ele uma letra, número ou pontuação, esculpido em um pedaço de metal. Essa inovação permitiu que os caracteres fossem organizados e reorganizados, formando palavras, frases e páginas inteiras. Uma vez configurada uma página, ela poderia ser tingida e replicada facilmente, garantindo que múltiplas cópias de uma página fossem produzidas em velocidades inéditas.

A CONTRIBUIÇÃO DE GUTENBERG
Agora, Johannes Gutenberg entra no cenário. Embora o tipo móvel com argila e, posteriormente, metal, já tivesse sido usado no Oriente, a significativa contribuição de Gutenberg foi aperfeiçoar essa técnica no Ocidente. Sua adaptação do tipo móvel, combinada com um mecanismo de prensa inovador, possibilitou uma impressão mais rápida e eficiente, inaugurando uma nova era de literatura produzida em massa.

No entanto, mesmo antes da prensa de Gutenberg fazer história, o Oriente já possuía suas próprias obras impressas inovadoras usando tipos móveis de metal. Uma dessas obras-primas foi o Jikji, uma antologia dos ensinamentos budistas. Impresso na Coreia em 1377, essa obra antecede o primeiro livro impresso de Gutenberg em quase oito décadas. O Jikji serve como testemunho dos avanços do Oriente, ressaltando que a busca pela perfeição na impressão foi um esforço global.

A Bíblia de Gutenberg
Finalmente, ao retornarmos à Europa e à notável contribuição de Gutenberg, nos deparamos com a famosa Bíblia de Gutenberg. Impressa em 1454, era uma versão detalhada da Vulgata, a tradução latina da Bíblia. Conhecida também como a Bíblia de 42 linhas, essa obra-prima foi composta em duas colunas, com 42 linhas em cada página. Embora não tenha sido o primeiro livro impresso do mundo, desempenhou um papel fundamental na popularização da cultura impressa na Europa. Hoje, ocupa um lugar icônico na história, com apenas algumas de suas cópias ainda intactas.

Refletindo sobre toda essa jornada, torna-se evidente que o título de “primeiro livro impresso” não pode ser atribuído a uma única obra ou inventor específico. É, na verdade, uma realização coletiva, resultado de séculos de inovação que abrangem continentes. Desde os antigos rolos gregos até as técnicas pioneiras do Oriente e o aperfeiçoamento do tipo móvel por Gutenberg, cada passo foi fundamental para moldar a rica história do livro impresso.

Por Lucas R.  Misterios do Mundo

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