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Lições da cruz: a ressurreição que acontece todos os dias

A Semana Santa, para além dos rituais e tradições que atravessam os séculos, carrega uma mensagem que permanece viva e urgente: a possibilidade do renascimento. Revisitar a memória da cruz e da ressurreição de Cristo é, mais do que nunca, uma oportunidade de refletir sobre nossos próprios caminhos, em um mundo que, a cada dia, parece ensaiar sua própria agonia e também seus recomeços.
Vivemos tempos de crise — sanitária, política, climática e, acima de tudo, existencial. Doenças modernas expõem, de forma brutal, a fragilidade da vida e a volatilidade de nossos projetos. Conflitos ressurgem, desastres naturais se multiplicam e, em paralelo, cresce a silenciosa epidemia dos transtornos de saúde mental. Em meio a essas dores, a simbologia da ressurreição é um convite para que, mesmo soterrados por perdas e desilusões, não desistamos de recomeçar.
Mas como falar de renascimento quando estamos tão cansados? A resposta talvez esteja nos pequenos gestos. Pode se dar nas pequenas vitórias do dia a dia — na coragem de pedir ajuda, na escolha consciente de cuidar de si e dos outros, no gesto simples de persistir, no perdão que damos a quem nos feriu, na ousadia de recomeçar um tratamento, um projeto, um amor. A ressurreição se desenha no cotidiano: no pão repartido, no abraço silencioso que acolhe, no “basta” que rompe um ciclo tóxico. Cada manhã é, por si só, um recomeço.
E há uma lição ainda mais profunda: a renovação não acontece sem a dor, sem o silêncio da espera, sem o esvaziamento necessário para que o novo possa acontecer. A cruz, antes de ser superada, foi carregada. O sofrimento de Cristo, longe de ser mero espetáculo de dor, revela uma ética da compaixão radical. No madeiro, Ele abraça a humanidade em sua totalidade, sem distinções, sem julgamentos, escolhendo carregar a dor de cada um.
Essa imagem deveria impactar com força particular os nossos dias, marcados por polarizações extremas, discursos de ódio e cancelamentos implacáveis. Cristo não morreu como um mártir distante, mas como alguém que sofreu com e pelos outros, lembrando-nos de que a verdadeira força está em suportar o peso do outro, mesmo quando ele é nosso adversário. Não se trata de concordar, mas de enxergar nos demais a mesma humanidade frágil que habita em nós.
Nesta Semana Santa, que possamos escutar o eco da renovação que reside nas pequenas e grandes mortes que vivemos, e permitir que, mesmo em meio às lutas diárias, o milagre de recomeçar encontre espaço em nós. Porque, afinal, não é a ausência da dor que nos salva, mas a fé persistente de que a vida sempre reencontra um jeito de florescer.
Por Joabes Guedes.