O abandono afetivo é uma realidade cruel, muitas vezes invisível, mas com consequências profundas. Crianças e adolescentes negligenciados emocionalmente carregam marcas que podem perdurar por toda a vida, desde dificuldades escolares e de socialização até depressão e baixa autoestima. Recentemente a deputada federal Socorro Neri, do Acre, apresentou o Projeto de Lei 72/25, que propõe a criminalização dessa omissão, incluindo-a no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A medida busca reforçar a importância dos laços afetivos no desenvolvimento infantil e criar um mecanismo legal para punir aqueles que negligenciam essa responsabilidade fundamental. A proposta estabelece pena de detenção de um a três anos, além de multa, para quem falhar em prover os cuidados emocionais essenciais ao desenvolvimento da criança ou do adolescente. Se for comprovado que a negligência foi intencional, a punição pode aumentar em um terço.
Por um lado, a iniciativa representa um avanço. A Constituição e o ECA já garantem o direito à convivência familiar saudável, mas, sem tipificação penal, fica difícil responsabilizar quem negligencia. Criminalizar o abandono afetivo poderia enviar um recado claro: cuidar emocionalmente de uma criança é tão importante quanto alimentá-la.
Por outro lado, surgem dúvidas. Como definir juridicamente o que é “afeto insuficiente”? Será que obrigar legalmente alguém a demonstrar amor não transformaria relações familiares já conturbadas em disputas judiciais, onde crianças poderiam ser usadas como moeda de troca? É possível obrigar alguém a estar presente, mas não a amar.
A grande questão é que, enquanto a lei pode punir a ausência, ela não pode criar presença verdadeira. Uma criança precisa de conexões autênticas, não de pais que estejam ali apenas por obrigação. Forçar amor e afeto pode ser tão prejudicial quanto a própria negligência, gerando falsos vínculos e reforçando traumas. O afeto genuíno nasce da empatia e do cuidado, não da coerção.
Além disso, ao impor um modelo único de afeto e tentar regulá-lo pelo Código Penal, corre-se o risco de ignorar a complexidade das relações familiares. O afeto se manifesta de formas diversas. Um pai pode não ser verbalmente carinhoso, mas demonstrar cuidado de outras maneiras, e a lei pode acabar engessando algo que é, por natureza, subjetivo.
Será que, em vez de focar apenas na punição, não seria mais eficaz investir em políticas de apoio às famílias, orientação psicológica e mediação de conflitos? A proposta da deputada Socorro Neri acerta ao trazer o debate à tona: o abandono emocional é grave e precisa ser enfrentado. Mas a solução está no Código Penal ou em medidas que fortaleçam os vínculos familiares de forma natural?
E você, o que acha? A criminalização é o caminho ou deveríamos buscar outras formas de proteger nossas crianças?
Por Joabes Guedes.